Estive no Noma cinco dias antes de ser anunciado o retorno do restaurante ao topo da lista dos cinquenta melhores do mundo, segundo a premiação promovida pela revista britânica Restaurant. Algumas pessoas têm me perguntado se é mesmo o melhor do mundo. Não sei se tenho uma boa resposta pra esse tipo de pergunta. O mundo é vasto e sortido demais pra que nós, em nossa limitada capacidade de transitar entre tantos continentes, nos habilitemos a apontar qual seja “o” melhor restaurante do planeta. Posso apenas dizer das minhas impressões, devidamente acomodadas no subjetivíssimo molde de meus gostos e predileções. É sob esse viés que agora conto sobre meu recente almoço na casa comandada pelo chef René Redzepi em Copenhague.
Posso dizer que foi uma bela experiência, o que teve muito mais a ver com outros fatores do que propriamente com a comida que me foi servida. Foram outras as justificativas da minha satisfação ali. A atmosfera única do lugar. A leveza e a eficiência da equipe e a despreocupação com protocolos típicos de quem persegue estrelas Michelin. A feliz harmonização com vinhos e mesmo o ótimo serviço de café.
Se quase todos os pratos que passaram por minha mesa eram esteticamente inspirados e reveladores de um admirável trabalho, o mesmo não posso dizer do sabor, o que, pra mim, sempre será um problema. Por mais encantada que eu estivesse com o lugar e com tudo mais que acabo de mencionar, tenho que admitir que a experiência teria sido imensamente melhor se a comida fosse deliciosa.
Dito isso, vou poupá-los de um minucioso e entediante relato e me limitarei a comentar os bocados que mais me agradaram.
O famoso musgo salpicado com pó de cogumelos, das mais emblemáticas criações da casa. Seco e frito, servido com creme fresco caseiro.
Biscoitos de queijo, acomodados numa linda lata antiga.
Torrada com ovas de lumpfish e crocante de pele de pato.
Deliciosos bolinhos recheados com um refogado de folhas (que me pareceram de espinafre), numa espécie de versão salgada dos Æbleskiver, bolinhos doces típicos do natal dinamarquês. O melhor momento do meu almoço no Noma. Trocaria muitos dos pratos do menu por mais meia dúzia destes. Ao abocanhá-lo, foi como se me transportasse à mesa da avó, em tarde de bolinhos de chuva. O poder da memória afetiva não conhece distâncias. E como é bom quando a comida evoca esse tipo de sentimento.
Maçã cozida por horas em suco de sloe berries (ameixas selvagens).
O ovo, acomodado num belo jardim de folhas, ervas e flores, recebia à mesa um caldo de alho selvagem.
O turbot, perfeito, uma manteiga, contracenava com delicado creme de raiz-forte.
Não posso deixar de mencionar o pão da casa, excelente, acompanhado de manteiga e lardo coroado com crocantes de bacon.
A levíssima sobremesa consistia em purês de ameixa e de batata, além de um creme fresco aromatizado com infusão da amêndoa da fruta. Dispensaria a batata, mas o purê de ameixa e o creme aromatizado com sua amêndoa eram uma delícia.
Do ótimo serviço de café, destaco, além do próprio café, o clássico danish e o menos ortodoxo, mas ainda mais gostoso crocante de pele de porco com chocolate e berries.
Ao fim da refeição, era preciso reconhecer mais uma qualidade da cozinha: a capacidade de conceber um longo menu do qual o sujeito saia leve, sem a sensação de ter desafiado os limites de seu corpo. Mas a verdade é que, dos cerca de vinte pequenos bocados do meu almoço, desconfio que poucos ficarão carimbados em minha memória. Difícil não lembrar o que dizia o chef catalão Santi Santamaria: “o sabor é a medida última de um prato”. Ainda não me acostumei a comer conceitos, por mais que isso possa parecer muito moderno. Comida verdadeiramente gostosa sempre me trará mais satisfação.
Noma – Strandgade 93 - Copenhagen