Brasilidade na coleção 2010 de Roberta Sudbrack

Maio 2010

Muito já disse sobre a chef Roberta Sudbrack nesse espaço. Mas, a cada ano, seu trabalho é capaz de me surpreender um tantinho mais. Sua pesquisa metódica sobre ingredientes e produtos brasileiros, escolhidos anualmente como tema de novos cardápios, faz com que nenhuma ida a seu restaurante seja igual a outra. Há sempre algo novo. E a cada retorno meu, sua cozinha me soa mais madura.

Digo isso porque, na noite de ontem, tive o privilégio de participar do jantar de lançamento da coleção 2010 de seu restaurante, batizada de “Divino, Maravilhoso!”. E, uma vez mais, tive essa sensação de algo que se supera, que fica melhor com o tempo. Eu poderia comparar o trabalho de Roberta a um bom vinho de guarda, mas não vou. Porque o que a faz melhor a cada dia não é pura e simplesmente a ação do tempo. Mas seu esforço incessante e dedicação quase religiosa ao ofício que ela elegeu. É isso que faz de Roberta o que ela é. Jamais deitar em berço esplêndido. Fazer de cada conquista apenas um degrau pra próxima.

Em 2010, escolheu como tema a banana. Mas não só ela. Parece-me sim que a banana, nesse caso, foi tomada como um símbolo da brasilidade que lhe interessa trazer à mesa. Na busca por essa brasilidade, foi colher inspiração no gênio de artistas como Guimarães Rosa, Caetano Veloso e Tarsila do Amaral. Pode-se dizer que está em boa companhia...

Ao entrar, encontramos à nossa espera um colorido salão que nos acolheria para uma viagem de aromas, sabores, surpresas e memórias. Por um instante, pude crer que seríamos conduzidos por Caetano Veloso em seu “Trem das Cores”. Em vez de Caetano, quem nos recebeu foram dois repentistas, preparando nossos espíritos pro que viria a seguir. Um jantar às cegas. Não sabíamos nomes de pratos, ingredientes usados, coisa alguma... Cada um entregue à sua percepção das coisas, ao seu sentimento. Uma experiência cheia de ludicidade, do início ao fim.

Começamos o jantar com uma delicada combinação de caqui e foie gras e uma atordoante farofinha de pão com amêndoas.

Em seguida, uma finíssima camada de banana amassadinha e raspas de manchego, numa espécie de brincadeira em busca de uma infância que ficou pra trás. Brotos e ervinhas completavam a cena.

O curau de milho com um chip meio caramelado de banana e uma intrigante farinha – quase uma cinza - feita a partir da fruta, levaram-me a passear pelas veredas das Gerais. O mar presente no caviar me trouxe de volta...

Na sequência, burrata e filé de tomate marinado. Simples e delicioso. Na crocância das lascas de pão o detalhe que faz toda a diferença.

Então, eis que surge diante de nós um dos pontos altos da noite: uma gema aparentemente inofensiva, que, ao se romper, derramava-se como um mar dourado sobre uma inesperada areia de banana, feita com farinha d’água. Tão bom, mas tão bom que me fez divagar e pensar que, se presente naquela mesa, Tarsila talvez vislumbrasse ali o sol de seu Abaporu...

Não menos impressionante foi o prato seguinte, que surpreendia, não mais pela potência, mas pela sutileza. A delicadeza dos raviólis de pato em consommé de cardoncello impôs silêncio à mesa. Havia que se contemplar...

Adiante, barriguinha de porco braseada e bouillon de jamón. Sabor, sabor, sabor.

Enfim, o delicioso e macio cordeiro assado em rapadura (faca pra quê?), acompanhado de batatinhas, deu lugar à sensação de puro acolhimento, conforto mesmo.

Hora do Sacrilégio, a primeira sobremesa: um canudinho crocante recheado de chocolate amargo e acomodado sobre uma generosa porção de doce de leite.

Sorvete artesanal de banana manchadinha: o esplendor da fruta no auge de seu sabor. Além da banana, apenas cristais de flor de sal, ditando um belo contraste.

O fechamento veio com a sobremesa intitulada “Divino, Maravilhoso”, um mil folhas em que lâminas de rapadura fazem as vezes de massa folhada. Dentro, um leve creme de confeiteiro e framboesas vermelhíssimas. Arrematando, sensacionais crocantes de licuri. Novamente, silêncio sepulcral à mesa.

Essa merece um close...

De tudo isso, só me resta dizer que a cada novo contato que tenho com a cozinha de Roberta Sudbrack, eu me convenço de que seu restaurante toma o rumo de se consagrar como o melhor do Rio de Janeiro. Creio não haver, hoje, na cidade, quem encarne a moderna cozinha brasileira tão bem como ela. Ousaria dizer que, mais até do que alguns dos restaurantes premiados entre os melhores do país, a casa que leva o nome de Roberta merece todas as estrelas que um guia gastronômico brasileiro possa contemplar. Parece-me que menos do que isso é pouco pro trabalho executado ali. Mas... Como diria Guimarães, “pão ou pães é questão de opiniães”.

 

Roberta Sudbrack – Rua Lineu de Paula Machado 916
Jardim Botânico
www.robertasudbrack.com.br

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